A Declaração de Belém
O Brasil abriga inúmeros biomas, sendo o mais famoso deles a Floresta Amazônica. Conhecida como “os pulmões da Terra” devido às enormes quantidades de dióxido de carbono que a floresta inala e ao oxigênio que exala, a Amazónia é foco de muitas iniciativas e acordos de conservação.
No início de agosto de 2023, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, organizou a Cúpula da Amazônia em Belém, capital do estado brasileiro do Pará, durante a qual foi lançado mais um acordo de conservação. As oito nações signatárias do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) divulgaram a Declaração de Belém, um documento que visa unificar os objetivos comuns das nações signatárias, centrados na preservação da Amazônia e nos direitos dos povos indígenas que a habitam. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) está marcada para Belém em 2025.
No entanto, num comunicado à imprensa, o Center for International Environmental Law (CIEL) afirmou que a Declaração de Belém ficou aquém dos compromissos para acabar com o desmatamento na Amazônia e não abordou as questões relacionadas com o uso contínuo de combustíveis fósseis.
Nikki Reisch, directora do Programa de Clima e Energia do CIEL, declarou:
“A Declaração de Belém não se compromete… a acabar com o desmatamento até 2030, nem a resolver os principais fatores de perda de floresta tropical –– a agricultura industrial e as indústrias extrativas e destrutivas que expõem as florestas primárias à destruição de terras.”
“Está absolutamente ausente da declaração qualquer menção à ameaça que a produção e utilização contínuas de petróleo e gás representam para a Amazônia e seus os ecossistemas, comunidades e clima que dela dependem. Pelo contrário, a exploração e desenvolvimento de novos projetos de óleo e gás continuam – mesmo na boca da própria Amazônia – em oposição direta aos compromissos dos líderes no sentido de impedir que a região chegue ao ponto de não retorno. Permitir a expansão da extração de combustíveis fósseis na Amazônia é incompatível com os direitos humanos, incluindo os direitos dos Povos Indígenas, a proteção da biodiversidade e os objetivos climáticos.”
Uma deferência semelhante aos interesses da indústria assola o Cerrado, onde as plantações de eucalipto e o agronegócio continuam atropelando comunidades tradicionais e indígenas, destruindo um sistema ecológico natural menos conhecido, mas igualmente precário, a despeito das manifestas preocupações e propostas ecológicas.
A demanda por celulose
Como a demanda global por celulose continua aumentando, espera-se que o Brasil seja o local da expansão mais significativa destas instalações de produção na América do Sul.
Duas regiões que a delegação da Campanha STOP GE Trees visitou provavelmente enfrentarão os impactos negativos do enorme crescimento das plantações de eucalipto para alimentar a indústria de papel e celulose.
As comunidades quilombolas com as quais a delegação se reuniu afirmaram que, no Espírito Santo, a maior parte das terras municipais foi transformada em plantações pela Suzano. Elas explicaram também que os incentivos fiscais e os investimentos em infraestrutura na região de Três Lagoas por parte dos governos local e federal buscam atrair investimentos da indústria de celulose e papel para o estado do Mato Grosso do Sul, onde grande parte da floresta nativa do Cerrado foi convertida em plantação de eucalipto na última década.
O negócio é tão lucrativo que a Suzano está construindo a maior fábrica de papel e celulose do mundo no Mato Grosso do Sul. A enorme instalação está sendo construída por dez mil trabalhadores, a maioria dos quais vivem amontoados em acampamentos próximos. A expectativa é que a fábrica empregue 10 mil pessoas quando estiver concluída. O Projeto Cerrado, como a Suzano o denomina, está localizado em uma cidade rural com cerca de 25 mil habitantes. O projeto ameaça trazer graves danos ambientais ao habitat natural e à biodiversidade, à água e ao ar, e um influxo populacional devastador e acelerado.
Além disso, a empresa chilena Arauco está planejando a construção de uma fábrica ainda maior no Mato Grosso do Sul após a conclusão prevista da gigantesca usina da Suzano.
Roubando terras de comunidades indígenas
A soberania fundiária das comunidades tradicionais tem sido uma questão política fundamental no Brasil, e a invasão de terras pertencentes a comunidades tradicionais e indígenas pelo agronegócio foi um tema que a delegação ouviu repetidamente durante suas viagens pelo país, inclusive nas áreas afetadas no Espírito Santo, sul da Bahia e Mato Grosso do Sul. Fruto do passado colonial do Brasil e de décadas de ditadura militar, a distribuição de terras no país é altamente desigual. Os interesses do agronegócio foram incrivelmente agressivos no passado e continuam com essa caraterística atualmente.
“O que nos fez perder nossa terra, nossa cultura, foram todas essas perseguições do agronegócio”, afirmou José de Souza, instrutor da escola indígena Ofaié, no Mato Grosso do Sul. Os Ofaié “já foram um povo grande”, disse ele, ressaltando que essas ameaças do agronegócio quase os levaram “à extinção”. Já tendo contado com uma população de dezenas de milhares de pessoas, os Ofaié vivem agora em apenas 45 hectares, depois de terem sido deslocados à força por duas vezes. “Não é uma coisa que acabou”, disse Souza. “Eles destruíram nossas florestas e água”. A escola onde Souza leciona enfatiza a cultura e a língua Ofaié em aulas frequentemente ministradas ao ar livre. A terra Ofaié é pequena, mas é um oásis de floresta nativa cercado por vastas extensões de plantações industriais de monocultura.
A luta pela terra: o MST
O eucalipto é tão central para a luta pela terra dos Ofaié quanto é para o MST, um dos movimentos populares mais importantes da América do Sul. O grupo tem quase 2 milhões de membros, com centenas de milhares de brasileiros vivendo em acampamentos do MST como agricultores. O MST busca reverter a grande desigualdade na distribuição de terras no Brasil, ocupando terras para a criação de fazendas comunais.
O movimento é um foco de controvérsia em Brasília, com legisladores alinhados com o ex-presidente Jair Bolsonaro tentando proibí-lo. Ainda assim, os juízes já aceitaram várias vezes a interpretação do MST da lei brasileira que permite que terras improdutivas sejam tomadas. O MST ocasionalmente incluiu as plantações de eucalipto na definição de “improdutivas” e as ocupou e as redirecionou para fazendas comunitárias.
O movimento tem sido tão bem-sucedido em sua estratégia de ocupação que estima-se que 460 mil famílias vivam atualmente em acampamentos criados pelo movimento. O MST está atento ao futuro, com escolas de agroecologia que ensinam como cultivar culturas e alimentos usando métodos agroecológicos. Atualmente, são os maiores exportadores de arroz orgânico da América Latina.
O governo Biden financia expansão da indústria do eucalipto
Enquanto o MST, povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil lutam contra a expansão das plantações industriais de eucalipto, o governo Biden está financiando sua expansão.
De acordo com um artigo de junho de 2023 no Mongabay, “Biden prometeu fundos da Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos EUA para conservar a Amazônia e outros biomas críticos da América Latina”. No entanto, de acordo com descobertas publicadas pelo Mongabay, o investimento, se aprovado pelo Congresso, será principalmente “canalizado para o eucalipto produzido em massa na savana do Cerrado brasileiro”.
O Mongabay informou que 50 milhões de dólares do financiamento iriam para o plano do Timberland Investment Group (TIG) de expandir suas “operações de florestas plantadas”, que instalou seu mais novo escritório perto do Projeto Cerrado da Suzano no Mato Grosso do Sul.
PL 490: limitação dos direitos das terras indígenas
Durante a visita da delegação à capital do Brasil, Brasília, para se reunir com ministros e legisladores, os povos indígenas realizaram uma grande manifestação para se opor a uma proposta de lei, o PL 490, que seus defensores afirmam que traria previsibilidade e justiça para as disputas de terra no Brasil. Os seus opositores, no entanto, argumentam que a proposta iria, na verdade, reverter as conquistas duramente obtidas pelas comunidades indígenas para ter seus direitos à terra oficialmente reconhecidos.
Proposto por parlamentares bolsonaristas, o PL 490 retrocederia as reivindicações de terras indígenas a outubro de 1988 – quando a atual Constituição brasileira foi adotada, após a ditadura militar. Como as terras foram tomadas durante a ditadura, trata-se de um esquema de grilagem de terras utilizado pelas indústrias extrativistas para negar as reivindicações de direitos territoriais dos grupos indígenas e até mesmo para apagar as conquistas obtidas no passado. A Câmara dos Deputados aprovou este projeto de lei em maio de 2023.
A pressão pelo PL 490 ressalta como a soberania da terra é uma questão fundamental na política brasileira e está intrinsecamente ligada ao meio ambiente do país e aos direitos das comunidades tradicionais. As monoculturas de eucalipto desempenham um papel central na disputa pelo direito à terra, uma questão central para a política brasileira e, em última análise, ligada aos direitos das comunidades tradicionais e à saúde ambiental do mundo. Com o fantasma dos eucaliptos desenvolvidos para resistir a pesticidas e a adoção de falsas soluções para as mudanças climáticas pelo governo Biden, a balança está sendo ainda mais inclinada a favor da indústria de papel e celulose nessa luta.
“O Brasil e o mundo estão perdendo terreno no que diz respeito à utilização de eucaliptos geneticamente modificados”, afirmou Petermann. “A relevância da perda do Cerrado para as plantações de eucalipto geneticamente modificado não pode ser subestimada.”
(*) Steve Taylor é secretário de imprensa do Global Justice Ecology Project e apresentador do podcast Breaking Green. Iniciando seu trabalho ambiental nos anos 90, contra o corte de árvores na Shawnee National Forest, Taylor recebeu o prêmio Leo e Kay Drey Award for Leadership da Missouri Coalition for the Environment por seu trabalho como cofundador do Times Beach Action Group.
(*) Orin Langelle é o diretor da Langelle Photography. Seu primeiro trabalho foi fotografar os protestos contra a Guerra do Vietnã durante a Convenção Nacional Republicana de 1972 em Miami Beach, Flórida. Ele estudou formalmente com Cornell Capa, ex-diretor executivo do International Center of Photography em Nova York. Langelle já fotografou em seis continentes, trabalhou em comunicações estratégicas e foi cofundador do Global Justice Ecology Project.
(*) Tradução de Raul Chiliani. Revisão de Pedro Marin.